Aristóteles
Um pouco de história… Aristóteles nasceu em Estagira, no norte da Grécia, em 384 a.C., e morreu na ilha de Euboea em 322 a.C. Aluno de Platão na Academia, fundador de sua própria escola - o Liceu - e tutor de Alexandre, o Grande, Aristóteles foi a primeira pessoa a dar importância ao estudo sistemático das diversas disciplinas das artes e ciências que surgiam como entidades separadas pela primeira vez no século IV a.C., inclusive no que diz respeito à definição dos conceitos básicos e das relações entre cada uma.
A Filosofia como instituição e meio social.
A filosofia não é só o nome de uma prática intelectual, é também o nome de uma disciplina escolar, acadêmica, que se registra em textos que vão sendo acumulados, formando uma vasta bibliografia, que por sua vez vai necessitando de uma tradição de interpretação. Isto faz com que a filosofia também se torne, com o tempo, numa atividade coletiva. As formas socialmente consolidadas dessa atividade influem, então, sobre o próprio conteúdo do pensamento filosófico.
O leigo que vem de fora vai gastar bons anos da sua vida somente para adquirir este conjunto de reações que fará com que se sinta um membro da comunidade, e ao fazer isto estará crente de aprender filosofia. E o que isto tudo tem a ver com filosofia? Rigorosamente nada, porque embora a filosofia necessite sempre de algum veículo social para existir, a história prova que ela não depende de nenhum deles, que tanto se faz boa e má filosofia numa hierarquia de clérigos como num grupo informal de amigos.
A partir do momento em que se forma um ensino mais ou menos regular de filosofia — o que acontece na Academia Platônica e depois no chamado Liceu de Aristóteles (que na realidade veremos que não existiu efetivamente como entidade autônoma, sendo apenas um novo sector da Academia, dirigido por Aristóteles após a morte de Platão) -, a filosofia começa a constituir um meio social, e surgem as invejas, a competição mesquinha, etc. Estes aspectos são geralmente desdenhados, mas eles dão-nos o tom do pensamento do nosso tempo, onde a organização acadêmica da atividade filosófica chegou a um máximo de abrangência, eficácia e poder. A competição no meio profissional não é propícia ao desenvolvimento da filosofia, pois o decisivo nela não são as qualidades que fazem um filósofo, e sim as que fazem um hábil manejador social.
A Retórica de Aristóteles no ambiente mental grego.
A influência do meio social imediato no destino das filosofias é importante para compreendermos o lugar de Aristóteles no ambiente grego.
Quando Aristóteles entrou para a Academia Platônica, com dezoito anos de idade, destacou-se logo como um dos melhores alunos e foi incumbido de dar uma parte das aulas, o curso de Retórica. Este sucesso inicial foi recebido como um insulto pessoal por muitos dos seus colegas. Mais ainda; sendo a Retórica — curso que ele dava — a ciência teorética que investiga a arte da persuasão, ele logo dominou esta ciência, muito disseminada na época, e foi um dos primeiros a fazer dela uma especulação teórica. Porque a Retórica até então era apenas transmitida como técnica, como prática, e alguns levavam a vida inteira para dominar esta arte, que era a chave das ambições políticas. Aristóteles domina-a prontamente e começa a especular teoricamente. Isto consiste em perguntar: "Porque é que o argumento persuasivo é persuasivo?" e mesmo: "Porque é que um argumento logicamente fraco ou absurdo convence as pessoas, e outro que é razoável não as convence?".
Aristóteles começa sua carreira examinando a Retórica, exatamente como Sócrates havia feito. Sócrates via que os oradores, políticos, conseguiam persuadir as pessoas às vezes de coisas perfeitamente absurdas. Sócrates limitou-se a demonstrar que essas ideias eram absurdas, por mais persuasivas que parecessem. Aristóteles já dá, na juventude, um adianto na matéria. Começa a investigar as causas dessa persuasividade, e formula a ciência da Retórica como uma verdadeira Psicologia da Comunicação. O livro de Retórica de Aristóteles é um dos grandes livros de Psicologia que a humanidade conheceu. Ora, conhecendo por um lado a técnica, e já tendo, por outro, algumas ideias científicas sobre o fenômeno da persuasividade, Aristóteles não sabia apenas produzir argumentos persuasivos, mas também conhecia os princípios teóricos em que se baseava a persuasividade dos adversários. Isto significa que, com vinte e poucos anos, ele tinha-se tornado uma espécie de terror dos retóricos, que desmontava todos os argumentos deles com a maior facilidade. Aristóteles sintetizou, muito jovem, os dois papéis que mais tarde seriam denominados retor e retórico: o praticante da arte, o homem que escreve ou fala bem e o cientista que estuda e formula a teoria da Retórica.
A Retórica de Aristóteles…
Com tudo o que foi enunciado anteriormente, podemos constatar que com Aristóteles, a Retórica torna-se uma disciplina entre as outras.
Aristóteles foi o primeiro filósofo a expor uma teoria da argumentação, nos Tópicos e na Retórica, procurando um meio caminho entre Platão e os Sofistas, encarando a Retórica como uma arte que visava descobrir os meios de persuasão possíveis para os vários argumentos. Assim, esta pode ser deliberativa, se o auditório tiver que julgar uma ação futura; judicial, se o auditório tiver que julgar uma ação passada; e, epidítica se o auditório não tiver que julgar ações passadas nem futuras.
O seu objetivo é o de obter uma comunicação mais eficaz para o Saber que é pressuposto como adquirido. A retórica torna-se numa arte de falar de modo a persuadir e a convencer diversos auditórios de que uma dada opinião é preferível à sua rival. É neste contexto que surge o contexto de recepção: conjunto de opiniões, valores e juízos que um auditório partilha e que serão fundamentais na recepção do argumento, determinando a sua aceitação, a sua rejeição ou o seu grau de adesão.
Sendo baseada em critérios dialéticos, esta retórica torna-se a técnica de argumentação do verossímil, uma vez que as teses colocam-se como discutível no seio dos debates públicos. Qualquer um pode apresentar contra-argumentos à tese do orador, que é forçado a apresentar novos argumentos a fim de mantê-la credível.
Outra característica da retórica de Aristóteles e também muito importante, é a de que aqui, se pode distinguir três domínios: retórica, moral e verdade. É que o bom ou mau uso da retórica, ou seja, o uso da arte do bem falar para defender argumentos verdadeiros ou falsos, depende única e exclusivamente da ética de quem assim procede, isto é, da prioridade de valores morais que cada um vai estabelecendo ao longo da sua vida. Quer dizer que a retórica em si, não é boa nem má, o seu uso é que a torna boa ou má. Portanto, é uma ilusão pensar que a má retórica não tem sentido; se o homem é livre de se exprimir, são as suas intenções que determinarão o tipo de uso que fará da palavra.
Em suma, e tal como afirma Aristóteles: “A retórica não é meramente uma arte de persuasão, mas antes uma faculdade de descobrir especulativamente o que, caso a caso, pode servir para persuadir”.
É neste quadro definido por Aristóteles que a Retórica irá evoluir, confinando-se à uma arte de compor discursos que primavam pela sua organização e beleza (estética), desvalorizando-se a dimensão argumentativa cultivada pelos sofistas.
Sistematizando:
§ A retórica pode ser bem ou mal usada, não é ela que é moral, mas sim quem a utiliza.
§ Podem-se distinguir três domínios: retórica, moral e verdade.
§ A retórica é a técnica da argumentação do verossímil.
§ A retórica de Aristóteles apresenta-se como retórica de raciocínio, por oposição a uma retórica das paixões.
Retórica e dialética
A retórica dos sofistas é fortemente criticada por Sócrates e Platão e, por isso, é pretendida relativamente à dialética. Para estes filósofos, a dialética é sinónimo de filosofia, o método mais eficaz de aproximação entre as ideias particulares e as ideias universais ou puras; é a técnica de perguntar, responder e refutar. Eles consideram que é apenas através do diálogo, que o filósofo deve procurar atingir o verdadeiro conhecimento, partindo do mundo sensível e chegando ao mundo das ideias. Pela decomposição e investigação racional de um conceito, chega-se a uma síntese, que também deve ser examinada, num processo infinito que busca a verdade.
Para Aristóteles, a retórica e a dialética são duas disciplinas limítrofes. Ambas partem do verossímil e nenhuma depende da ciência (objetividade da demonstração). Segundo o filósofo:
"A retórica é a outra face da dialética; pois ambas se ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não corresponde a nenhuma ciência em particular. De fato, todas as pessoas de alguma maneira participam de uma e de outra, pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento, defender-se ou acusar".
No entanto, distinguem-se no modo como se empregam. A retórica preocupa-se com a persuasão, enquanto que a dialética se preocupa com o produzir conhecimentos gerais.
Aristóteles define a dialética como a lógica do provável, do processo racional que não pode ser demonstrado. "Provável é o que parece aceitável a todos, ou à maioria, ou aos mais conhecidos e ilustres", diz o filósofo.
Curiosidades
A Retórica de Aristóteles:
Retórica é um texto de Aristóteles. É composto por três livros (I: 1354a - 1377b, II: 1377b - 1403a, III: 1403a - 1420a) e não existem dúvidas acerca da autenticidade da obra.
§ Objetivos da obra:
O objetivo de Aristóteles com sua Retórica é dar um tratamento eminentemente filosófico ao tema em oposição ao tratamento descuidado que os retores e sofistas daquele tempo davam ao tema. De modo mais específico, muitos acreditam que a reflexão aristotélica sobre o tema foi uma resposta à concepção retórica de Sócrates de Atenas. Ao contrário de Platão, que no diálogo Górgias condena a retórica e no diálogo Fedro subordina a retórica à filosofia, a investigação aristotélica acerca da retórica — mesmo que eminentemente filosófica — procura conferir autonomia para a técnica retórica, desvinculando-a da vigilância da filosofia (coisa que Platão discordava por considerar a retórica eticamente perigosa). § Resumo da obra:
No livro I, Aristóteles analisa e fundamenta os três géneros retóricos: o deliberativo (que procura persuadir ou dissuadir), o judiciário (que acusa ou defende) e o epidítico (que elogia ou censura). Além disso, argumentos em favor da utilidade da retórica são apresentados bem como uma análise da natureza da prova retórica que é o entimema, um silogismo derivado; No livro II, o plano emocional é analisado em sua relação com a recepção do discurso retórico. Uma série de elementos, como a ira, amizade, confiança, vergonha e seus contrários são analisados, bem como o carácter dos homens (p.ex. o carácter dos jovens, o carácter dos ricos). Neste livro, também volta-se a analisar as formas de argumentação, são apresentados uma série de tópicos argumentativos, o uso de máximas na argumentação e o uso dos entimemas;
No livro III, o estilo e a composição do discurso retórico são analisados. Além de elementos como clareza, correção gramatical e ritmo, o uso da metáfora e as partes que compõem um discurso também estão presentes neste livro.
Com esta obra, Aristóteles lança as bases da retórica ocidental. Teoricamente, a evolução da retórica ao longo dos séculos representou muito mais um aperfeiçoamento da reflexão aristotélica sobre o tema do que construções verdadeiramente originais.
Autor (a): Flora Silva